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sábado, 21 de dezembro de 2013

Mudar, é possível?

   Às vezes chegamos em um momento da vida no qual percebemos a necessidade do desprendimento de nossas próprias verdades, as quais muitas vezes julgamos como absolutas e acabadas. Quando percebemos que a mudança é indispensável para viver melhor, tanto em nossas relações externas, mas também no nosso relacionamento intrapessoal - o modo como nos relacionamos conosco e lidamos com os próprios sentimentos e emoções - já experimentamos situações as quais avaliamos como ruins na vida, e que nos trouxeram prejuízos significativos e sofrimento. Para ilustrar, gosto muito de uma frase de Nietzsche: "É preciso ter o caos dentro de si para dar origem a uma estrelinha bailarina" (do livro Assim falou Zaratustra). Urge, então, a imprescindibilidade de mudança. Contudo, tal reconhecimento pode não ser tão simples, afinal, mudar não é fácil.

  Mudanças no decorrer da vida são relativamente comuns e necessárias, afinal, mudamos com o passar do tempo e durante nosso desenvolvimento, e chega uma hora em que a mudança se estabelece. No geral, mudamos o tempo todo, pois somos seres em constante construção(e reconstrução!). Existem pessoas que são mais flexíveis, o fazem com maior facilidade e desprendimento, enquanto outras ficam mais cristalizadas. Entretanto, a mudança que gostaria de pontuar é a necessidade pessoal que temos para fazê-lo, quando avaliamos nossas idiossincrasias, a maneira pessoal de ser e estar no mundo e percebemos que algo não está legal, que aquele jeito de ser, permeado de atitudes e sentimentos que são nossos, mas que nos fazem tão mal, já não nos serve mais. A partir daí, é necessário assumir a importância de mudança para si mesmo, e tão importante quanto, é reconhecer que não virá extrinsecamente.  

   O processo de mudança geralmente requer muito investimento, tanto de atitudes, mas acima de tudo, emocional. Às vezes é fundamental olhar para certas coisas as quais evitamos para não causar sofrimento. Contudo, creio que o principal passo para a mudança, além do reconhecimento, é a intenção, é querer mudar. E, para tanto, é necessário um movimento inicial para fazê-lo, estar consciente do que se quer e aberto para desconstruir-se. No entanto, tal despojamento pode significar romper com amarras sobre as quais nos desenvolvemos, e assim, mudar não é fácil, mas é sempre possível. E como processo, tem começo, meio e sem fim.  Requer abrir mão de crenças, valores e verdades, estar aberto e acessível para outras possibilidades, outras perspectivas. Mudar também demanda a elaboração de um luto, pois é necessário deixar para trás tudo o que se foi e se acreditou, entretanto, isso pode significar abrir mão das próprias referências e sair da zona de conforto. Sim, esse movimento é essencial para haver mudança. 

  Dentro da singularidade da minha profissão somos constantemente atravessados pela questão da necessidade de mudança, assim como pela resistência à mesma. Talvez, tão importante quanto permitir-se inserir no processo, seja deixar de cobrar-se pela mudança. Quanto mais ficamos ansiosos e nos cobramos pelos resultados esperados, mais podemos nos afastar do objetivo principal, mudando o foco. E não se iluda, haverá altos e baixos, recaídas são muito naturais. De vez em quando voltamos à condição anterior, mas é natural, faz parte da jornada. Quando isso ocorre, achamos que fracassamos, que não estamos conseguindo nada, mas isso também é uma forma de adaptação. A mudança geralmente começa a desenvolver-se de forma suave, leve e sutil. Não acontece de maneira óbvia, explícita, mas se estrutura principalmente nas entrelinhas e, aos poucos, vai se estabelecendo. Quem acredita que pode mudar de maneira repentina, provavelmente irá frustrar-se. O bom mesmo é não perceber a mudança, mas apenas sentir que está diferente. E é assim que acontece, você não percebe como, mas simplesmente mudou. Todos nós somos capazes de mudar, alguns mais maleáveis, outros mais resistentes, mas sempre mutantes.

   A capacidade de mudança é um mérito pessoal de cada pessoa e para ter êxito é necessária a consciência de responsabilidade pela qual fazemos nossas escolhas. Você é o escritor de sua própria história e mudar é reescrevê-la utilizando o mesmo personagem, mas com outras palavras, outros cenários, outras cores.

   2014 vem aí, e que venham as mudanças necessárias. Só depende de você...

terça-feira, 19 de novembro de 2013

Tempo

     Que cada vez mais somos (ou nos permitimos ser) literalmente engolidos pela correria do dia a dia é notório para todos. Tentamos nos equilibrar na efemeridade dos nossos compromissos e atribuições, e a consequência disso é que cada vez mais e mais ficamos sem tempo. E sem tempo para tudo, do lazer ao prazer, da família aos amigos, ou ainda, tão simplesmente para nós mesmos. Vivemos uma dinâmica onde tudo acontece muito rápido, nossa cultura atual se fundamenta na informação e no imediatismo, e, consequentemente, incorporamos tal funcionamento em nossas vidas.

     Eu mesma admito que ultimamente tenho ficado cada vez mais indisponível. Mas "estar sem tempo" parece falar de uma vivência produtiva, atarefados de responsabilidades, compromissos e obrigações, tão valorizada em nossa cultura. Será que por conta disso está na moda ficar sem tempo? Será ainda que, em nossa falta de tempo, paramos para respirar e discernir o que vale a pena, o que realmente é necessário e desnecessário? Percebo que na maioria das vezes tentamos abraçar tudo de uma vez para poupar tal tempo do qual não dispomos como se fôssemos seres absolutos e onipotentes. E não somos... E que bom que não somos, que temos o próprio limite, nossas próprias necessidades. Afinal, precisamos delas, até mesmo para perceber-se, para saber até onde podemos ir, saber qual é o próprio espaço e fronteira pessoal. A consciência de que tudo é transitório deve fazer parte do bem viver, pois, desta forma, procuramos viver da melhor forma possível. Entretanto, em nossa tentativa diária de dar conta de tudo e no limite do nosso tempo, acabamos por ganhar os louros do cansaço físico e mental, se é que temos tempo para isso.

     Talvez nossa consciência de temporalidade nos leve ainda mais à uma corrida maluca contra ela, como se isso fosse possível. Observo ser uma demanda bem dicotômica, pois quanto mais tentamos aproveitar todo o tempo disponível que temos, apressados, correndo, menos nos damos conta dele e do que acontece de realmente relevante à nossa volta. As pessoas simplesmente não olham seu entorno, e quando olham, não enxergam. Afinal de contas, como perceberiam, se estão o tempo todo (pre)ocupadas com todos os compromissos assumidos? E como nos é precioso tal tempo, e a mínima possibilidade de perda acaba sendo aterradora. Procuramos o tempo todo otimizar o tempo.

     Mas qual a implicação que temos nisso tudo? A correria diária me remete à uma certa fuga da realidade, e quando realmente paramos para prestar atenção nela, parece que desperdiçamos mais tempo do que gostaríamos, sem levar em consideração alguns valores essenciais da vida, e, o mais importante, sem perceber que o tempo mais precioso que possuímos é sempre no aqui e agora, o presente. Precisamos de um movimento interno de parar, respirar e enxergar, de fato, à nossa volta e, principalmente, a nós mesmos. É um paradoxo, não é? Quanto mais lutamos contra a perda de tempo, menos o percebemos passar, o mesmo tempo o qual apreciamos e valorizamos tanto. Necessitamos de mais tempo para fazer mais coisas, e possivelmente, se assim fosse, ainda nos comprometeríamos com mais atribuições. Creio que ter mais tempo não traria uma maior qualidade de vida, e, na verdade, devemos fazer o melhor possível com o que temos. Se essa é a realidade, é com ela que devemos lidar, sendo capaz de formular as reais prioridades. Como questionaria Renato, o poeta, "será que foi tudo tempo perdido...?"



segunda-feira, 30 de setembro de 2013

Redes sociais: qual o limite entre o público e o privado?

As relações interpessoais configuram uma das principais necessidades humanas. Pertencer e ser aceito em um grupo é questão de sobrevivência desde nossa época das cavernas. E por falar nisso, seriam as redes sociais uma espécie de "mito da caverna moderno"? Qualquer semelhança (e alienação) não é mera coincidência. 

Observamos há algum tempo através da mídia shows de realidade(?) nos moldes de zoológico humano. Parece que acompanhar a vida alheia exerce certo fascínio e curiosidade e, da mesma forma, a exposição em redes sociais também segue tal premissa com uma boa dose de exibicionismo e voyerismo. A pergunta que não quer calar: por que em tais redes as pessoas partilham aspectos tão íntimos e pessoais da própria vida de forma tão comprometedora? Será que a banalização da vida alheia em tais "shows de irrealidade" nas mídias se incorporou à sociedade, fazendo-nos desvalorizar e tornar impessoal coisas tão pessoais e íntimas? Parece que as pessoas querem fazer uma espécie de big brother de suas próprias vidas. E com uma bela floreada...

Pesquisas recentes apontam que as redes sociais causam depressão. Não é difícil imaginar porque isso ocorre. A impressão que fica é que se vende um personagem criado para interagir virtualmente, projetando uma versão a qual é aceita: "a melhor versão de si mesmo". Na realidade virtual das redes sociais existe uma estética maravilhosa, tudo é belo, todo mundo é bonito, mega legal, as fotos são escolhidas a dedo: estar com a galera, festas, baladas, viagens, família margarina, ostentação de aquisições materiais, tudo de acordo com o que é ditado socialmente. Talvez, mais importante do que as pessoas digam, seja o que querem dizer... Penso ser necessária a reflexão sobre tal dinâmica de funcionamento de forma mais intrínseca.
  
Possivelmente a necessidade humana de pertencimento, aceitação e amparo fundamente a exposição exacerbada a qual testemunhamos tão displicentemente nas redes sociais. O homem possui uma condição fundamental de desamparo existencial e traz consigo a consciência da insignificância da própria existência, direcionando-se na tentativa desesperada de dar sentido para uma realidade sem sentido, em busca de enquadramento e acomodação ao caos dos padrões vigentes e às regras e demandas estabelecidas socialmente. A noção do absurdo da vida clama pela necessidade imperativa de exposição, a qual se expressa nas entrelinhas afirmando que pertencemos a uma realidade aceita e aclamada. Precisamos ser aprovados, admirados e "curtidos". Porém, será que quem realmente importa está "se curtindo"? Parece que as pessoas estão o tempo todo tentando convencer e se justificar, seja através da demonstração de amor, conquistas, desafetos, desabafos, alegrias e tristezas, as quais, muitas vezes, culminam em uma exposição desnecessária e constrangedora. A dificuldade do homem em lidar com a própria solidão parece se expressar no mundo virtual e, principalmente, nas redes sociais, onde as pessoas partilham detalhes da própria vida como busca de companhia e cumplicidade. Não tem ninguém ao seu lado para te ouvir naquele momento, mas centenas de amigos que podem ver o que você expor. Desenvolvemos certa familiaridade e dependência do mundo virtual, principalmente as gerações mais jovens. Entretanto, urge a consciência de que não estamos na sala de estar de casa, e sim, em um ambiente que pode ser vulnerável. O anseio em ser aceito e acolhido não deve e não pode justificar atitudes inconsequentes. Somos responsáveis pela maneira como nos projetamos na realidade da vida e na fábula das redes sociais.


quinta-feira, 29 de agosto de 2013

Responsabilidade X Culpa

     Podemos compreender responsabilidade como uma das questões centrais que atravessam a existência humana. Ao longo da vida fazemos inúmeras escolhas, enveredamos por distintos caminhos os quais cada um define em sua jornada pessoal. Contudo, toda escolha demanda a consciência da responsabilidade que esta abarca. Somos responsáveis pelas opções que fazemos e suas consequências, em uma inexorável relação de causa e efeito. Por conseguinte, tal noção de responsabilidade nos imputa determinada angústia, pois compreendemos que as consequências resultantes de nossa escolha é de nossa inteira responsabilidade, e , desta forma, inalienável. No entanto, é através da mesma consciência de responsabilização que permite o próprio viés da mudança, a capacidade de fazer novas e diferentes escolhas, ter outras concepções, ir por outros caminhos. Só depende de nós. Afinal, se somos responsáveis pelo modo como nos colocamos no mundo e na maneira como agimos, também possuímos a mesma capacidade de mudar. Um novo fazer, um outro jeito de ser, novas escolhas, outras possibilidades. Sim, somos os responsáveis por nossa própria vida.

     A culpa surge da mesma noção de causa e efeito que permeia a responsabilidade, entretanto, possui um viés disfuncional, e, muitas vezes, patológico, não permitindo-nos a superação necessária. Quando nos sentimos culpados por algo, acabamos por arrastar pesadas correntes, as quais nos paralisam. Concomitante ao sentimento de culpa, desenvolvemos uma forma de atuar no mundo que nos traz prejuízos, deixando-nos prisioneiros do remorso e da fixação de que somos culpados. Mas seria tudo tão determinístico assim?
   Através do tempo e do espaço absorvemos e incorporamos determinado conjunto de valores, regras, crenças, juízos, etc., permeados pela cultura. Somos cientes de que o resultado de um julgamento penal abrange apenas duas possibilidades: o veredito é culpado ou inocente, não existindo meio termo. Incorporamos também, entre muitos outros, os valores religiosos que atravessam nossa vivência, trazendo-nos o dogma da culpabilidade através da admissão do "mea culpa", o qual carrega um simbolismo tendencioso e, diria, até mesmo, pesado: "Por minha culpa, minha culpa, minha máxima culpa". Contudo, ao assumir nossa limitação como seres errôneos e falhos, assumimos também uma postura condizente com nossa condição humana.

     Em detrimento da culpa, por que não substituir esta pela consciência da responsabilidade que temos por nossos atos, nossos caminhos, nossa vida? A responsabilidade nos institui a capacidade de um novo e constante fazer e refazer. O sentimento de culpa é uma alternativa que nos imputamos e dificilmente nos permite transcender a um nível produtivo sem causar danos. Entretanto, estar ciente de que somos responsáveis nos direciona para um diálogo possível e necessário entre a reflexão e nossas ações, proporcionando-nos outras possibilidades. Responsabilidade é uma condição inerentemente humana, e, assim como somos responsáveis por algo que pode não ter tido o resultado pretendido ontem, também nos responsabilizamos pela manutenção deste ou por outros diferentes e novos resultados hoje e amanhã. O ponto essencial é: o que vamos fazer com isso?

sexta-feira, 19 de julho de 2013

Sucesso


   Vivenciamos a cultura da transitoriedade e imediatismo na qual nos desdobramos ante à fugacidade dos fatos, onde o sucesso repentino e desestruturado se apresenta na notoriedade dos 15 minutos de fama, estabelecendo-se, principalmente, através da exposição ampla nos vários canais da internet, dentre os quais, redes sociais, blogs, etc., assim como no mundo globalizado. Nesses termos, podemos considerar que o sucesso ocorre de maneira democrática, onde cada qual se expõe como quer e fala o que quiser, havendo então, uma seleção natural segundo às demandas vigentes.

   Observarmos a necessidade do sucesso nosso de cada dia e a busca de tal valoração não circunda apenas em ser notado e reconhecido, mas também reverenciado e exaltado. Algumas pessoas precisam de notoriedade, estar em foco e "brilhar". Sem dúvida, é natural se destacar através de determinada capacidade, eficiência, aparência, dom, aptidão, atributo, etc. Sim, a velha questão da meritocracia, entretanto, o modo pelo qual o sucesso é interpretado e atribuído que considero cansativo.   

   Uma curiosidade: por que as pessoas fazem tanta questão de sucesso? É comum observarmos que o valor de alguém seja estabelecido em relação ao sucesso que possui em determinada área, não importa qual esta seja.

    Uma confissão: existem determinadas ocasiões comemorativas em que as pessoas costumam fazer votos de, entre outras coisas, sucesso. Aí, penso comigo: "por que não desejar apenas felicidade, realizações, saúde, coisas boas, etc... ?" 

   Elaborando um paradoxo, bem viajandão, admito, ao nos sobressairmos não implica necessariamente em ter sucesso. Ser bem sucedido traduz-se em obter um resultado positivo dentro daquilo em que alguém se propõe. Fazer bem feito, diria, e ser bem resolvido em relação à tal atribuição. Ser responsável em produzir algo bem sobre o qual se obtém um resultado esperado, deve ser, em primeira instância, uma realização pessoal longe da avaliação de terceiros. Ter consciência do mérito e eficiência próprios deve ser motivo para que uma pessoa se considere bem sucedida. Realizada.

  Contudo, sem demagogia, parece que apenas tal realização pessoal não é suficiente, pois prima-se pelos holofotes. Há indivíduos que necessitam do amplo reconhecimento o qual o sucesso proporciona. Buscam estar sempre em destaque, e, ser bom não basta mas precisam ser "o melhor". Muito jogo de cintura para lidar com tanta vaidade. Talvez um olhar mais abrangente nos permita compreender a necessidade de aceitação, aprovação e reconhecimento amplo do outro. Necessidade de corresponder às expectativas. E como tais expectativas podem ser exigentes! As pessoas as quais buscam tal idealização acabam por tornar-se cansativas para com aquelas que convivem consigo, pois estão sempre procurando se destacar em uma competitividade exaustiva e que lhes proporcione notoriedade e sucesso. Enquanto seres sociais, o olhar do outro também nos constitui, contudo, não deve ser determinante. Quando alguém é ciente e seguro de suas potencialidades, não precisa ficar sendo exaltado e reconhecido publicamente como observamos comumente à nossa volta, onde lemos implicitamente: "me admirem, me amem..."


   Por favor, não me desejem sucesso, mas felicidades e realizações. Se o sucesso vier, será apenas uma inesperada e desapegada consequência. 

domingo, 16 de junho de 2013

Cara metade ou inteira?

       Em tempos em que o amor é cantado em verso, prosa e comerciais de tevê, quem não está em um relacionamento nessa época acaba por sentir-se destoado, descontextualizado. No dia dos namorados celebramos o amor, aquela época especial onde o romance fica em alta, a troca de afeto, carícias e atenção toma uma conotação especial. Ah... o amor! Amar pode ser muito bom, ter alguém para aconchegar-se, participar nossa vivência, nossas pequenas coisas. Partilhar...

     Alma gêmea, outra metade da laranja, tampa da panela, cara metade e tantas outras definições quanto nossa imaginação permitir. A problemática começa justamente quando atribuímos ao outro a expectativa da completude que é nossa, delegando a este a responsabilidade pela própria felicidade. No entanto, felicidade é um bem intransferível e inalienável, isentando qualquer pessoa, a não ser cada um de nós, por tal responsabilidade. Ao outro cabe apenas partilhar dela. "Apenas". Talvez seja cômodo colocar na conta de outra pessoa realizações e responsabilidades que nos competem, e, somente a nós. Da felicidade às possibilidades, as quais muitas vezes deixamos transcorrer à nossa frente para não sairmos de nossa zona de conforto.  

     Nós não somos uma metade à espera de seu equivalente, somos seres inteiros, íntegros. Se em algum momento de nossa vida buscamos completude, essa apenas depende de nós. Quando sentimos que nos falta algo, a necessidade é nossa. Encontrar alguém para nos relacionarmos não preenche vazio algum, pois este é intrínseco a cada um, de nossa própria responsabilidade e competência. Relações de co-dependência não se desenvolvem de forma plena e saudável, mas se apresentam de modo patológico, com cobranças extremas e, muitas vezes, infundadas. Atribuir a própria realização ao outro pode ser frustrante, além de alienante, afinal, ele nunca terá tal capacidade.


     Relacionamentos se estabelecem, principalmente, através da troca de afetos, da reciprocidade de sentimentos, onde cada lado necessita ceder em determinado momento. Relacionamentos não nos completam, mas complementam. Somos responsáveis pelas relações que estabelecemos, assim como pela própria felicidade. 


quarta-feira, 22 de maio de 2013

Apenas diferente...

    Sem dúvida um dos maiores desafios que nós, meros e humildes seres umanos, enfrentamos na vida é lidar com as diferenças. A convivência de contrários é uma das maiores dificuldades que atravessam nossa existência. Conceber e aceitar coisas tão diferentes de nossa própria realidade causa-nos ao menos estranhamento e, quando tomamos conhecimento de que existem outros estilos de vida diferentes do nosso, acabamos por julgar, valorando como bom ou ruim, certo ou errado, segundo nossa própria experiência. E nem me refiro à não padronização ou bizarrice, mas às coisas simples da vida. No entanto, o que pode ser simples ou bizarro para mim, pode não ser para você.

     É politicamente correto respeitar as diferenças, mas na prática, a teoria é BEM outra. De maneira geral, formulamos juízo como certo o que nos é familiar, as coisas que fazem parte de nosso cotidiano e avaliamos outras realidades de maneira negativa, simplesmente por serem diferentes. Entretanto, as pessoas pensam, sentem e agem de formas diferentes. Achamos, no mínimo, curioso e desenvolvemos uma certa resistência quando temos contato com interesses divergentes dos próprios, mas a vida é permeada por tais diferenças sobre as quais nos exige discernimento e concepção. Outras culturas, novos tipos de relacionamentos que não se enquadram aos padronizados, uma visão política da qual não partilhamos, o gosto por um estilo musical diferente, uma opção sexual diferente da nossa, outros times de futebol, outras etnias, outras religiões, etc. Talvez o critério religioso seja um dos mais difíceis com o qual temos de lidar, afinal, não raro, observamos extrema intolerância a respeito, cada um julgando sua religião como melhor e "a certa". Tal divergência causa guerras há milênios e parece que não conseguimos evoluir muito desde então. A questão racial também se incorpora aqui, e algumas pessoas ainda consideram-se melhor ou pior por ter determinada cor de pele ou ser de uma certa região geográfica.

    Mesmo quando nos auto proclamamos como "mente aberta", sem dúvida carregamos os próprios paradigmas e (pré)conceitos. Não é nada fácil lidar com uma opinião divergente.  As diferenças. Ah! Como pode ser difícil conviver com elas... Temos como base nossas próprias verdades, as quais muitas vezes julgamos como absolutas. Talvez, apenas talvez, sejamos cingidos por uma certa dose de narcisismo, fazendo-nos crer que, o que nos serve, o que se inclui ao nosso contexto também é extensível às outras pessoas. E, possivelmente, essa mesma visão narcísica nos impute certa limitação e engessamento, deixando-nos ingenuamente na expectativa de que o outro absorva o mundo da mesma forma que nós. Entretanto, cada pessoa no decorrer da vida desenvolve sua história pessoal, construindo sua realidade segundo a própria vivência. Eu sou diferente de você, que é diferente de fulano, que é diferente de sicrano, que é diferente de beltrano...
    
     Ao ponderar sobre as diferenças, devemos considerar o relativismo, afinal, cada qual cria a própria verdade, sua maneira de ser e se colocar no mundo, determinando a construção do sentido próprio para a vida. E, principalmente, racionalizarmos de que não existe uma verdade absoluta. Sua verdade pode não ser a minha, e a minha, a sua. É relativo.
       
     É necessário certo exercício para conviver minimamente bem com as diferenças, e não me refiro a aceitá-las, talvez isso seja utópico, mas em respeitá-las, sim, não tem jeito. A conscientização de que as diferenças fazem parte da vida e ninguém é melhor ou pior por ser diferente emerge para uma melhor convivência. Contudo, pode ser interessante o desprendimento das próprias opiniões, afinal, não deixa de somar ao próprio conhecimento lidar com o diferente. Outros olhares, outras ideias e outras opiniões podem acrescentar e ampliar conteúdos.

    Compreender o outro talvez seja exigir muito, entretanto, respeitar este em sua maneira pessoal de ser é o melhor caminho para conviver com o diferente. Afinal, mesmo sendo uma grande dificuldade em nossas relações interpessoais e de mundo, as diferenças nos adornam e nos tornam interessantes em nossa condição mais peculiar: ser humano, único e ímpar.      

  


  

domingo, 5 de maio de 2013

O mito da maternidade


     Tenho como lembrança de minha maior e mais profunda auto reflexão, uma das noites em que passei na maternidade do hospital após ter dado a luz. Éramos apenas nós duas no meio da madrugada e sentei-me perto da janela do quarto, pensativa. Dentro de minhas divagações, questionei se estaria pronta para aquela nova fase de minha vida, afinal, não era mais apenas filha, mas agora também era mãe. Indagava se teria os recursos necessários para cuidar e educar aquela incrível criaturinha que dormia em meus braços. Entretanto, uma questão me afligia com considerável intensidade: um amor incondicional permearia nossa relação? 

     Apesar da maternidade ser uma condição inerente à mulher, não é determinada por si e em si, apenas. Sim, somos capazes de gerar um outro ser e parir, mas ser mãe não se constitui unicamente em tal ato, assim como o sentimento materno de cuidar, proteger e, sobre tudo, amar, não se fundamenta de maneira inata para todas as mulheres de modo absoluto. Não raro observamos que muitas não possuem tais determinantes e, mesmo havendo um hipotético instinto materno em cuidar e proteger, o sentimento não está necessariamente contextualizado, ou vice-versa.

     Através da cultura vivenciamos um certo olhar romântico e idealizado o qual circunda a maternidade, como se apenas estar grávida ou mesmo ter um filho transforma o mundo todo em cor de rosa e, por conseguinte, somos atravessadas por um sentimento avassalador e incondicional, imputando uma condição a priori à mulher. E quando isso não acontece? Quando simplesmente precisamos nos adaptar e observamos cair por terra, inertes, o clichê da maternidade?

     A gravidez carrega a simbologia intrínseca de continuação da vida, atribuindo à mulher a responsabilidade maior de sua manutenção. Insegurança e receio são sentimentos naturais que podem emergir durante a gestação e/ou mesmo depois de dar a luz. Desponta-se a enorme necessidade de expressão a respeito, principalmente por conta do abismo entre realidade e idealização, desconstruindo o mito da maternidade sobre o qual somos imbuídas. Muitas mulheres sentem culpa e questionam até mesmo sua idoneidade e caráter quando não desenvolvem, juntamente com a maternidade, sentimentos desejados e correspondentes às expectativas. É muito mais comum do que se imagina e do que se fala ampla e abertamente a respeito que emoções ambíguas nos atravessem durante este período. Ter um outro ser crescendo dentro de você pode não ser tão poético, mesmo quando a gravidez é bem-vinda. Receio e dúvida se o bebê nascerá perfeito e "normal" são comuns. Sem falar do parto, que, apesar de ser um fenômeno natural para toda espécie animal viva, não é um ato isento de certa dose de agressão para a fêmea. A mulher necessita se adaptar a esse novo papel no seu meio ambiente e na sociedade, e a perda da identidade pode se inserir neste contexto onde esta passa a ser "a mãe de alguém". 

     Desmistificando a fantasia e vivenciando de maneira mais consciente, a responsabilidade para com o outro é tão importante quanto sentimento e dedicação. Laços de afeto, carinho e cuidado se estabelecem no desenvolver da relação e não a partir de um teste cujo resultado foi positivo, somente.

     Ouso dizer que, em uma relação onde o amor é conquistado diariamente, a cada ato de alimentar o bebê com o  próprio recurso, olho no olho, noites em claro nas quais apenas aqueles dois seres, mãe e filho, testemunham o transcorrer da madrugada, em companhia e cumplicidade, ou em cada simples ato de cuidar daquela pequena pessoinha, talvez, esta relação se consolide de maneira mais plena, saudável e coerente.

     O amor incondicional tal como preconizado nem sempre é a priori, mas cresce durante o processo relacional e, talvez, seja até mais verdadeiro quando construído e desenvolvido juntamente com o estabelecimento do vínculo entre mãe e filho. Laços de afeto podem estar presentes desde o primeiro momento, mas se intensifica com a relação. 

O amor não é incondicional, apenas, mas condicionado e condicionante. O amor é conquistado dia a dia na convivência e por mérito próprio daquele pequeno e incrível ser.

quarta-feira, 17 de abril de 2013

A redenção do morrer


     Recentemente assistia uma reportagem na tevê sobre a morte repentina do cantor de uma banda de rock famosa no Brasil, cuja abordagem envolvia a forma misteriosa do acontecido, assim como também ressaltava suas músicas de sucesso, o perfil contestador, as confusões que se envolvia e peculiaridades do gênero. A notícia apresentava um caráter pesaroso e, apesar de enaltecer as qualidades do artista, também enfatizava seus valores enquanto pessoa. Minha filha adolescente, que estava por perto, comentou que se referiam a ele daquele modo somente porque havia morrido. Concordei com ela e partilho do mesmo pensamento. É notório a capacidade que a morte tem de nos sensibilizar e deixar comovidos ante o fato. Nos inclinamos a reverenciar a memória  dos que se foram de forma quase poética. No mínimo há um atenuante póstumo. É cultural.

    Apesar de ser fã de suas músicas por abordar de maneira questionadora determinados valores da sociedade, reconheço que sua imagem não era bem aceita dentro dos estereótipos impostos, e sua fama era de roqueiro tatuado e drogado. Talvez, neste caso, tenha corroborado ainda mais por ter sido uma morte repentina e prematura - ele tinha pouco mais de 40 anos - o que contribui para um pesar maior, creio. Nos dias que seguiram sua morte as músicas da banda "bombaram" direto nas rádios. Ainda bem, gosto delas.

     Todavia, o que chama atenção neste caso, como em tantos outros que circundam alguém que morreu, é a simbologia intrínseca que permeia a morte. Parece que, ao morrermos, somos instituídos de determinado "poder" e revestidos por uma certa transcendência, quase uma redenção. Existiria no morrer a absolvição dos males pelos quais somos atravessados em vida? Tendemos a nos referir sobre as pessoas mortas como se estas estivessem acima do bem e do mal, e, diria até que incorporam um certo nível de sublimação. Há uma valorização "post-mortem", a qual podemos verificar na relação de artistas célebres que em vida viveram na miséria e depois de morrer tiveram suas obras imensamente valorizadas.

     Mas que "poder" é este? Ao tomarmos consciência da morte de alguém próximo, somos expostos à consciência de nossa própria finitude, a possibilidade efetiva da própria morte. Vivenciamos esta através da morte do outro e sabemos que é bastante democrática, não se importando com idade, sexo, raça, condição sócio-econômica, etc. De uma hora para outra sabemos que podemos deixar de existir. Seria esse o motivo pelo qual ganhamos o caráter sublime após a morte? Afinal, poderia ser qualquer pessoa e, um dia, certamente será. Desta forma, concedemos e imputamos à figura de quem se foi um olhar mais suave e respeitoso. Respeito... Talvez essa seja a palavra. Parece que quem morre passa a um nível superior e, independente de quem  tenha sido, é desrespeitoso falar mal do falecido. Ao mencionarmos alguém que morreu, principalmente quando engloba uma visão negativa, é comum fazermos certas referências quase como desculpa, do tipo: "Que Deus o tenha" e outras afinidades. Diante disso, a morte remete à concessão de quase "isenção de julgamento". Talvez, quando nos conscientizamos da nossa própria temporalidade na morte do outro, concedemos-lhe tal caráter de respeito e comoção.

      Em nossa sociedade a morte ainda caracteriza-se como um tabu e não sabemos lidar ou mesmo falar a respeito. Cada vez mais procuramos postergar a vida, tentando "driblar" o inevitável. Com o avanço da ciência, observamos a necessidade que temos de sua manutenção, mesmo ante a possibilidade de uma sobrevida, apenas. Sem falar em câmara de congelamento, antioxidante, etc. Às vezes, quando estou absorta em tais divagações, me remeto ao filme "A morte lhe cai bem", onde as personagens estão caquéticas, despedaçadas, mas ainda vivas!

     Talvez esse seja o motivo pelo qual nos apegamos tanto às religiões, cujo conforto se fundamenta na possibilidade de continuação da vida após a morte. Afinal, tal premissa se estabelece nas mais variadas vertentes, seja no cristianismo, judaísmo, islamismo, hinduísmo, espiritismo, budismo e tantos outros "ismos" possíveis existentes.  Eu mesma confesso que fico muito confortada com tal possibilidade.

     A morte representa a finalização de um ciclo de modo irredutível, somos conscientes de que não podemos voltar, simplesmente e, concomitante, tal ciclo talvez configure o bem o qual mais valorizamos, a própria vida. Não somos preparados, do nível afetivo/emocional ao cultural, para tais desprendimentos. Refletimos sobre a morte quando somos atravessados por esta vivência em nosso círculo mais próximo ou de forma mais contundente, explícita. A morte em si é um mistério e seu caráter desconhecido talvez influencie tal temor. Nunca ninguém voltou de lá para contar como é, ao menos, efetivamente. Tudo o que temos são nossas crenças pessoais e confabulações a respeito. E nos apegamos às mesmas, veementemente.           
     
     No entanto, paradoxalmente, a valoração da vida se estabelece e sustenta-se na própria morte. Afinal, sem essa consciência de finitude, da temporalidade sobre a qual somos/estamos imbuídos, protelaríamos todas as nossas atitudes e ações em uma existência prolixa. Ainda bem que podemos finalizar e concluir esse ciclo. E vamos finalizá-lo, sem dúvida. Talvez nosso grande temor em relação a morte seja justamente a dúvida se que estamos fazendo tudo que podemos e gostaríamos de fazer, e da melhor forma possível. 

     Na verdade, uma não anula a outra, mas complementam-se. Morrer é uma realidade. Viver são infinitas reais possibilidades. 


quinta-feira, 21 de março de 2013

Vivendo Imperfeitamente



     Apesar da pluralidade do conceito ou mesmo questionando sua efetividade - afinal, existiria perfeição? - parece haver uma constante busca por parte de algumas pessoas por esta. E como é pesado o paradigma da perfeição! Estaríamos condicionados a tentarmos ser absolutamente perfeitos? A tentativa de ser a pessoa perfeita, levando uma vida perfeita, em um mundinho perfeito. Talvez, dentro da singularidade de cada um provavelmente em algum momento da vida todos nós já inclinamos para tal idealização, seja querendo ser o profissional perfeito, o amigo perfeito, o aluno perfeito, os pais perfeitos, filhos perfeitos, ter o corpo perfeito, o relacionamento perfeito e por aí vai. E, às vezes, ao assumirmos uma postura imperfeita no meio do caminho, sem dúvida sofremos com a desilusão e suas consequências, muitas vezes determinadas por nós mesmos. 

     Entretanto, tendemos a seguir o que é aceito, o modelo perfeito segundo a padronização social. O que foge à margem, à curva normal, é alienado. E assim vivemos bovinamente, segundo o rebanho. Consideramos então a ideia de perfeição de acordo com a maioria? Talvez um grande número de pessoas afirme que um final de semana perfeito seria a beira mar, com águas cristalinas e tranquilas e, desta forma, transforma-se uma ideia imperialista. Estaríamos influenciados a suprir uma demanda social pela busca da perfeição? Pode ser que a representação desta esteja relacionada ao que é aceito pelo todo, de acordo com o social e, principalmente, segundo o grupo no qual estamos inseridos. É paradigmática. Sob uma perspectiva mais abrangente, haveria influência religiosa associada à ideia de perfeição divina e, desta maneira, nos projetaríamos diante de tal representação? Afinal, seríamos a "obra perfeita" do criador. Os pensadores da antiguidade também discorriam amplamente a seu respeito. 

     Enfim, o que é perfeição? Uma pessoa pode ter uma ideia do que é perfeito para si, enquanto outra postulará alguma outra coisa. Apesar da abrangência do conceito, algumas premissas acomodam-se ao senso comum. Para atender a esta demanda social buscamos estar de acordo com determinado perfil, o qual é quase impossível de ser adotado. Analogamente, talvez seja o motivo pelo qual observamos as pessoas inventado-se cotidianamente nas redes sociais. Afinal, em um mundo virtual podemos ser quem quisermos e da maneira que quisermos, mesmo sendo nós mesmos. 
         
     Emerge a importância da reflexão sobre como a necessidade de perfeição pode paralisar a vida e nos deixar "engessados" ante a impossibilidade de correspondê-la, e como nos cobramos por isso! Aceitar-se como imperfeito possibilita reconhecer as próprias virtudes e potencialidades, sim, mas também ter consciência de nossas limitações. Somos pessoas falhas e não há nada de errado nisso, faz parte da essência humana, todos nós possuímos pontos fracos e fortes. Ninguém é perfeito, livre-se desta bagagem e esteja mais leve consigo! Erramos o tempo todo, seja como pais, filhos, amigos, profissionais, etc. Mas podemos sempre melhorar, SEMPRE.
  
     Não, nós não vivemos em um mundinho perfeito, uma vidinha perfeita, sendo a pessoa perfeita. E por favor, não tentemos sê-lo! Faz mal à alma e à saúde. Nós damos mole sim, marcamos bobeira, levamos rasteira. Levantamos, sacudimos a poeira e damos a volta por cima. E se não der a "dita" volta, não se torture! Paciência! Ao menos você tentou e ficará o aprendizado, a experiência e, tenha absoluta certeza, o valor desta é inestimável. Somos imperfeitos, sim. Nem sempre as coisas saem à nossa maneira. E daí? E daí se você não possui a família clichê do comercial de margarina, o casamento não deu certo, você não tirou nota 10, seu filho não é como você gostaria, você não tem tantos amigos ou ainda não conseguiu iniciar aquele curso que tanto sonha? Não seja tão exigente! Parafraseando Rubem Alves, "a vida dá espaço para manobra." Reinvente-se, não virtualmente, mas efetivamente. 


   Somos pessoas imperfeitas vivendo uma vidinha imperfeita em um mundinho imperfeito. Aproveite!

sexta-feira, 1 de março de 2013

A infinidade de tons que você quiser


     Não, eu não li o livro. Particularmente, não é meu tipo de literatura e acho que não acrescentaria conteúdo relevante. Entretanto, foi impossível não compará-lo aos romances água com açúcar que faziam sucesso na época de minha adolescência – jurássica, admito. O contexto desta "estória" atual me remete às mocinhas virgens, doces e desprotegidas que protagonizavam os romances de banca de jornal daquela época: "Julia", "Bianca", "Sabrina", etc. Sim, esses eu lia. Lembro das tórridas cenas sexuais descritas, que eram tão excitantes, eu juro! Mas passadas quase três décadas, é curioso observar que esse tipo de personagem ainda aparece de forma tão atual e arrebatadora. Das primeiras vezes que tomei conhecimento do conteúdo do livro, a razão óbvia para compreender o sucesso de “50 Tons de Cinza” – aliás, o mundo pode ser tão mais colorido... – foi a contextualização sexual. Claro, a sociedade hipócrita supervaloriza o sexo e se condiciona a tudo que corrobore com tal premissa, pensava comigo. Mas ao refletir mais intrinsecamente a respeito, observo que a conotação em torno da protagonista feminina circunda a questão da submissão, assim como aqueles outros romances que lia há muito. Que meleca! Por que sempre é necessário haver a mocinha pura que precisa ser salva? Será que vivenciaremos a ditadura da fragilidade e submissão feminina eternamente? Não estou tentando comparar a posição homem/mulher, não é isso, mas creio que esse tipo de clichê "engessa" a mentalidade da sociedade. Assim como a busca da perfeição: homens absurdamente lindos, atléticos e másculos protagonizam a história de tais livros, além do cara ser sempre necessariamente rico! Sem dúvida há um afastamento notório da realidade. 


     Através do tempo e do espaço a condição sócio-cultural feminina sempre foi imputada a determinada dose de passividade. É bíblico. Desde cedo ouvimos histórias de princesas que precisam ser salvas por príncipes encantados e crescemos com tais parâmetros. Será que tentamos atualizar os contos de fada, presentificando-os em uma tentativa de se encaixar neste estereótipo? Tendemos a mesclar fantasia e realidade buscando o enquadramento de uma idealização secular? Acho muito curioso quando, em festas de aniversário de 15 anos a adolescente é colocada como a princesinha à espera de seu príncipe. E pasmem, há personalização dos mesmos! Seremos acometidas eternamente pela síndrome da Cinderela? Será que é essa consciência que nós, enquanto sociedade, incutimos nessas jovens que estão começando suas vidas com tanta vitalidade, à espera de príncipes encantados que as salvarão como em um conto de fadas? Bem, a verdade todos conhecemos muito bem, a realidade inevitável: fantasia, expectativa e ilusão. E o pior é que muitas carregam essa analogia para o resto da vida à espera de seus príncipes, vítimas da frustração a qual são condicionadas. Por que não permitir pensar em pessoas reais, apenas, homens possíveis, sem o peso de ter que substituir príncipes idealizados? Homens que, às vezes, são passíveis de erros, sim, mas também acertos e, desta forma, aprendemos e amadurecemos como pessoa, inclusive, nos relacionamentos. Príncipes encantados não existem, entretanto, os homens reais estão aí. Aceitando-os, aceitamos também nossa própria condição de pessoas comuns em uma vida real. Creio que esta consciência de conto de fadas - acho que é outra vertente nítida da submissão - acaba revertendo-se em mais expectativa e desencanto em nós, mulheres, além da notória frustração. Sim, a desilusão faz parte de nosso crescimento pessoal e virá, impreterivelmente. Há muito não precisamos de príncipes em cavalos brancos para nos resgatar. Hoje, pode ser nós, mulheres, a montar no cavalo (e da cor que escolhermos!), se assim desejarmos. 


     Não pretendo fazer nenhuma apologia ao feminismo ou mesmo queimar sutiã, mas questiono sobre a forma pela qual essa submissão tão passiva coloca nossa condição na atualidade. Será que, assim como no livro, continuaremos nos condicionando como objeto sexual, com o salto alto de cada dia, espartilho e a submissão implícita?

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

Da individualidade ao individualismo: todas as possibilidades do ser

     A individualidade de cada pessoa compreende sua subjetividade, singularidade, o modo pelo qual se coloca no mundo, delimitando seu próprio espaço e jeito de ser. É saudável incentivar a maneira peculiar de pensar, ter opinião pessoal, respeito por si e consciência do que é prioridade para cada um. Ao valorizarmos nossas próprias idiossincrasias, possibilitamos um olhar interno, auto-reflexivo, cultivando e preservando nossos valores, necessidades e os próprios interesses. O cuidado e o zelo por nós mesmos traz a conscientização de que é necessário valorizar-se enquanto pessoa, estabelecendo os próprios limites. Isso não tem nada a ver com egoísmo, e sim ter a capacidade de desenvolver auto-respeito. A conduta egoísta abarca a valorização de si mesmo sob uma outra vertente, daquela que só consegue olhar para si sem reconhecer o devido valor do outro, onde tudo circunda em torno de si mesmo. Cabe 
perfeitamente a analogia da utilização do arreio de cavalo, de quem não consegue olhar para além. O egoísta não considera os interesses alheios, somente os dele mesmo. 

     Quando uma pessoa exerce sua individualidade, desenvolve a capacidade de olhar para dentro, conscientizando-se, percebendo-se e valorizando-se como indivíduo, unidade de uma totalidade. E, desta forma, ter consciência de que é uma pequena parte de um todo.

     O Renascimento eclodiu a redescoberta e a valorização do homem, colocando este como elemento central de seus interesses. A partir de então, surge o humanismo e, por conseguinte, o individualismo, os quais contribuíram de maneira positiva para a consolidação de nossa sociedade tal como a conhecemos hoje. Através desta valorização, estabelecemos nosso próprio espaço, interesses e necessidades e, sem dúvida, foi muito relevante para a contextualização do homem moderno. O conceito de individualismo surge como uma das características mais notórias da sociedade contemporânea, presentificando-se ainda mais no estilo de vida moderno de todos nós.

     No entanto, sob uma outra perspectiva, pensar em uma sociedade individualista é refletir a respeito da falta de cuidado que temos para com o outro. Recentemente lembrava de uma aula de Psicologia Social que tive na época da faculdade na qual estudávamos o comportamento de grupo quando alguém em perigo pede ajuda gritando a palavra “socorro” e, desta forma, as pessoas geralmente não acodem, ninguém aparece para ajudar. Em contrapartida, quando o grito é “fogo”, tendem a aparecer com interesse. Tal fato sugere que em uma situação de perigo deve-se gritar “fogo” e não “socorro”.  Compreendo que talvez isso ocorra pelo instinto de autopreservação, em que alguém em perigo poderia representar a extensão do mesmo à sua volta. No entanto, o fogo, talvez pela possibilidade de propagação, apresente um risco iminente a um contexto mais abrangente. Talvez essa circunstância ilustre bem o individualismo no qual estamos inseridos, onde a reflexão ocorre sobre si e para si somente, em detrimento do outro, ante o coletivo.

     No filme “Minority Report”, há uma cena fictícia onde os outdoors da cidade exibem propagandas direcionadas a cada pessoa, segundo seus gostos e interesses e, desta forma, cada um vê uma coisa diferente. O filme é uma ficção e ocorre em um futuro longínquo, mas faço votos de que coisas assim nunca se realizem. Espero continuar compartilhando com as outras pessoas a mesma visão objetiva, ainda que com perspectivas diferentes. Afinal, é o que faz o ser humano ser tão interessante: partilhar visões, vivências e subjetividades, sendo capaz de exercer a própria individualidade e fortalecendo seu desenvolvimento pessoal.   

     Apoiando-se no modelo capitalista contemporâneo, o individualismo se fortalece principalmente em relação à competitividade desencadeada para atingir a demanda de consumo. Entretanto, são nas coisas simples do nosso dia a dia que gostaria de fundamentar esta reflexão. Hoje, um grande número de residências possuem vários aparelhos de tevê, onde o integrante daquele grupo se fecha em seu ambiente e assiste ao que quer sozinho. Da mesma maneira acontece com os computadores: cada um com seu próprio notebook, tablet, inertes ante as infindáveis possibilidades de exploração da rede. O número de celulares no Brasil ultrapassou ao de habitantes e sua utilização se tornou imprescindível para grande parte da população, emergindo a necessidade do desdobramento a respeito pela sociedade. 


     É provável que continuemos nossa caminhada cada vez mais em afastamento do outro, imersos no crescente individualismo no qual estamos inseridos. Entretanto, somos elos necessários para a constituição da corrente e quando um destes se parte, interfere em sua dinâmica. Fica a reflexão sobre a necessidade do estabelecimento da própria individualidade e da capacidade auto-reflexiva, valorizando-nos enquanto pessoa, indivíduo e, desta forma, também reconhecer no outro sua própria individualidade, respeitando-o como tal e sendo conscientes de que somos todos parte integrante e fundamental, unidade de um todo indivisível.


segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

O escravagismo das mídias eletro-digitais

   
      As relações humanas na atualidade se estabelecem para além do âmbito da pessoa física, apenas, evidenciando-se também dentro do espaço virtual, trazendo uma nova possibilidade de interagir e atuar no mundo. Contudo, não raro observamos de modo crescente a valorização das relações virtuais em detrimento de quem está fisicamente próximo. 

     Em uma época onde a tecnologia consolida-se como presente, necessária e "quase imposta" no mundo dito civilizado, são inegáveis os benefícios e suporte trazidos pelos aparatos eletrônicos sobre os quais nos debruçamos e somos favorecidos na sociedade contemporânea. A era tecnológica permite infindáveis confortos e faz parte da história e desenvolvimento do homem. A partir dela também evoluímos em nossa maneira de comunicação, trazendo variadas possibilidades de interação com nossos pares. Dos primordiais sinais de fumaça e cartas, inventamos e desenvolvemos as mídias eletrônicas: telefone, rádio, televisão, computador, celular (a união de ambos), os quais difundem informação, notícia e entretenimento a nosso favor. Com o advento da Internet, é possível a conexão de forma mais eficiente entre as pessoas e hoje podemos nos comunicar via videoconferência com o outro lado do mundo em tempo real. Sem dúvida a tecnologia facilitou e estreitou as relações humanas, tornando-as possíveis em contextos anteriormente dificultados.  


     No entanto, chama a atenção a maneira pela qual ficamos caprichosamente reféns de tais mídias e não valorizamos nossas relações efetivas. Observamos em certas ocasiões como eventos sociais, reuniões de amigos e família, algumas pessoas que, mesmo com todo referencial humano à sua volta, tantas relações a explorar, preferem ficar "hipnotizadas" na frente da TV a interagir com outras. Ok, todo mundo tem seu dia de ficar quieto, calado em um canto, ou mesmo não querer interagir com quem não sente vontade e não socializar-se, mas creio que algumas pessoas permitem-se ficar alienadas neste contexto. Diria mais: manipuladas. Acho triste quando vejo alguns restaurantes com aparelhos de tevês espalhadas pelo salão. Sentar-se à mesa sempre foi para o homem um momento de prazer, não somente pela refeição em si, mas levamos nossa celebração, alegria ou simplesmente um momento de reunir-se com nossos entes, que, por si só, já pode ser um motivo para festejar. 


    Atualmente uma cena "tecnológica" é facilmente observada em reuniões sociais, mesas de bares, restaurantes e afins. Na era onde as redes sociais eletrônicas "bombam", pessoas, mesmo rodeadas por muitas outras, substituem suas relações humanas próximas por contatos virtuais através de seus celulares/computadores. É um tal de digita daqui e dali em uma atenção focada unicamente no aparelho eletrônico, como se este fosse uma extensão do próprio corpo. As pessoas interagem, riem, fazem caras e bocas para os aparelhos. Mas e o calor do afeto de quem está ali do lado? E a possibilidade de estabelecer um contato mais estreito e rico emocionalmente? Estaríamos nos camuflando em um mundo virtual?  Por que não trazer essas relações para o real, onde, de fato, vivemos? Creio que esta corresponde à verdadeira demanda humana. Não nego a utilidade e privilégio dos eletro/digitais e, sem categorizar entre certo ou errado, penso que é uma nova forma de relacionar-se e, portanto, podemos e devemos nos privilegiar dos mesmos, mas observo a necessidade de haver equilíbrio.


    A tecnologia existe a nosso favor, portanto, para nosso usufruto. Contudo, talvez devêssemos olhar mais para o lado, para quem está próximo de nós e não ficar preocupados se a bateria do celular está acabando.