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sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

Da individualidade ao individualismo: todas as possibilidades do ser

     A individualidade de cada pessoa compreende sua subjetividade, singularidade, o modo pelo qual se coloca no mundo, delimitando seu próprio espaço e jeito de ser. É saudável incentivar a maneira peculiar de pensar, ter opinião pessoal, respeito por si e consciência do que é prioridade para cada um. Ao valorizarmos nossas próprias idiossincrasias, possibilitamos um olhar interno, auto-reflexivo, cultivando e preservando nossos valores, necessidades e os próprios interesses. O cuidado e o zelo por nós mesmos traz a conscientização de que é necessário valorizar-se enquanto pessoa, estabelecendo os próprios limites. Isso não tem nada a ver com egoísmo, e sim ter a capacidade de desenvolver auto-respeito. A conduta egoísta abarca a valorização de si mesmo sob uma outra vertente, daquela que só consegue olhar para si sem reconhecer o devido valor do outro, onde tudo circunda em torno de si mesmo. Cabe 
perfeitamente a analogia da utilização do arreio de cavalo, de quem não consegue olhar para além. O egoísta não considera os interesses alheios, somente os dele mesmo. 

     Quando uma pessoa exerce sua individualidade, desenvolve a capacidade de olhar para dentro, conscientizando-se, percebendo-se e valorizando-se como indivíduo, unidade de uma totalidade. E, desta forma, ter consciência de que é uma pequena parte de um todo.

     O Renascimento eclodiu a redescoberta e a valorização do homem, colocando este como elemento central de seus interesses. A partir de então, surge o humanismo e, por conseguinte, o individualismo, os quais contribuíram de maneira positiva para a consolidação de nossa sociedade tal como a conhecemos hoje. Através desta valorização, estabelecemos nosso próprio espaço, interesses e necessidades e, sem dúvida, foi muito relevante para a contextualização do homem moderno. O conceito de individualismo surge como uma das características mais notórias da sociedade contemporânea, presentificando-se ainda mais no estilo de vida moderno de todos nós.

     No entanto, sob uma outra perspectiva, pensar em uma sociedade individualista é refletir a respeito da falta de cuidado que temos para com o outro. Recentemente lembrava de uma aula de Psicologia Social que tive na época da faculdade na qual estudávamos o comportamento de grupo quando alguém em perigo pede ajuda gritando a palavra “socorro” e, desta forma, as pessoas geralmente não acodem, ninguém aparece para ajudar. Em contrapartida, quando o grito é “fogo”, tendem a aparecer com interesse. Tal fato sugere que em uma situação de perigo deve-se gritar “fogo” e não “socorro”.  Compreendo que talvez isso ocorra pelo instinto de autopreservação, em que alguém em perigo poderia representar a extensão do mesmo à sua volta. No entanto, o fogo, talvez pela possibilidade de propagação, apresente um risco iminente a um contexto mais abrangente. Talvez essa circunstância ilustre bem o individualismo no qual estamos inseridos, onde a reflexão ocorre sobre si e para si somente, em detrimento do outro, ante o coletivo.

     No filme “Minority Report”, há uma cena fictícia onde os outdoors da cidade exibem propagandas direcionadas a cada pessoa, segundo seus gostos e interesses e, desta forma, cada um vê uma coisa diferente. O filme é uma ficção e ocorre em um futuro longínquo, mas faço votos de que coisas assim nunca se realizem. Espero continuar compartilhando com as outras pessoas a mesma visão objetiva, ainda que com perspectivas diferentes. Afinal, é o que faz o ser humano ser tão interessante: partilhar visões, vivências e subjetividades, sendo capaz de exercer a própria individualidade e fortalecendo seu desenvolvimento pessoal.   

     Apoiando-se no modelo capitalista contemporâneo, o individualismo se fortalece principalmente em relação à competitividade desencadeada para atingir a demanda de consumo. Entretanto, são nas coisas simples do nosso dia a dia que gostaria de fundamentar esta reflexão. Hoje, um grande número de residências possuem vários aparelhos de tevê, onde o integrante daquele grupo se fecha em seu ambiente e assiste ao que quer sozinho. Da mesma maneira acontece com os computadores: cada um com seu próprio notebook, tablet, inertes ante as infindáveis possibilidades de exploração da rede. O número de celulares no Brasil ultrapassou ao de habitantes e sua utilização se tornou imprescindível para grande parte da população, emergindo a necessidade do desdobramento a respeito pela sociedade. 


     É provável que continuemos nossa caminhada cada vez mais em afastamento do outro, imersos no crescente individualismo no qual estamos inseridos. Entretanto, somos elos necessários para a constituição da corrente e quando um destes se parte, interfere em sua dinâmica. Fica a reflexão sobre a necessidade do estabelecimento da própria individualidade e da capacidade auto-reflexiva, valorizando-nos enquanto pessoa, indivíduo e, desta forma, também reconhecer no outro sua própria individualidade, respeitando-o como tal e sendo conscientes de que somos todos parte integrante e fundamental, unidade de um todo indivisível.


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