A individualidade de cada pessoa compreende sua subjetividade,
singularidade, o modo pelo qual se coloca no mundo, delimitando seu próprio
espaço e jeito de ser. É saudável incentivar a maneira peculiar de pensar, ter
opinião pessoal, respeito por si e consciência do que é prioridade para cada
um. Ao valorizarmos nossas próprias idiossincrasias, possibilitamos um olhar
interno, auto-reflexivo, cultivando e preservando nossos valores, necessidades
e os próprios interesses. O cuidado e o zelo por nós mesmos traz a
conscientização de que é necessário valorizar-se enquanto pessoa, estabelecendo
os próprios limites. Isso não tem nada a ver com egoísmo, e sim ter a
capacidade de desenvolver auto-respeito. A conduta egoísta abarca a valorização
de si mesmo sob uma outra vertente, daquela que só consegue olhar para si sem
reconhecer o devido valor do outro, onde tudo circunda em torno de si mesmo.
Cabe
perfeitamente
a analogia da utilização do arreio de cavalo, de quem não consegue olhar para
além. O egoísta não considera os interesses alheios, somente os dele
mesmo.
Quando uma pessoa exerce sua individualidade, desenvolve a
capacidade de olhar para dentro, conscientizando-se, percebendo-se e
valorizando-se como indivíduo, unidade de uma totalidade. E, desta forma, ter
consciência de que é uma pequena parte de um todo.
O Renascimento eclodiu a redescoberta e a valorização do homem,
colocando este como elemento central de seus interesses. A partir de
então, surge o humanismo e, por conseguinte, o individualismo,
os quais contribuíram de maneira positiva para a consolidação de
nossa sociedade tal como a conhecemos hoje. Através
desta valorização, estabelecemos nosso próprio espaço, interesses e
necessidades e, sem dúvida, foi muito relevante para a contextualização do
homem moderno. O conceito de individualismo surge como uma das características
mais notórias da sociedade contemporânea, presentificando-se ainda mais no
estilo de vida moderno de todos nós.
No entanto, sob uma outra perspectiva, pensar em uma sociedade
individualista é refletir a respeito da falta de cuidado que temos para com o
outro. Recentemente lembrava de uma aula de Psicologia Social que tive na época
da faculdade na qual estudávamos o comportamento de grupo quando alguém em
perigo pede ajuda gritando a palavra “socorro” e, desta forma, as pessoas
geralmente não acodem, ninguém aparece para ajudar. Em contrapartida, quando o
grito é “fogo”, tendem a aparecer com interesse. Tal fato sugere que em uma
situação de perigo deve-se gritar “fogo” e não “socorro”. Compreendo que
talvez isso ocorra pelo instinto de autopreservação, em que alguém em perigo
poderia representar a extensão do mesmo à sua volta. No entanto, o fogo, talvez
pela possibilidade de propagação, apresente um risco iminente a um contexto
mais abrangente. Talvez essa circunstância ilustre bem o individualismo no qual
estamos inseridos, onde a reflexão ocorre sobre si e para si somente, em
detrimento do outro, ante o coletivo.
No filme “Minority Report”, há uma cena fictícia onde os outdoors
da cidade exibem propagandas direcionadas a cada pessoa, segundo seus gostos e
interesses e, desta forma, cada um vê uma coisa diferente. O filme é uma ficção
e ocorre em um futuro longínquo, mas faço votos de que coisas assim nunca se
realizem. Espero continuar compartilhando com as outras pessoas a mesma visão
objetiva, ainda que com perspectivas diferentes. Afinal, é o que faz o ser
humano ser tão interessante: partilhar visões, vivências e subjetividades, sendo
capaz de exercer a própria individualidade e fortalecendo seu desenvolvimento
pessoal.
É provável que continuemos nossa caminhada cada vez mais em
afastamento do outro, imersos no crescente individualismo no qual estamos
inseridos. Entretanto, somos elos necessários para a constituição da
corrente e quando um destes se parte, interfere em sua dinâmica. Fica a
reflexão sobre a necessidade do estabelecimento da própria individualidade e da
capacidade auto-reflexiva, valorizando-nos enquanto pessoa, indivíduo e, desta
forma, também reconhecer no outro sua própria individualidade, respeitando-o
como tal e sendo conscientes de que somos todos parte integrante e fundamental,
unidade de um todo indivisível.
Nenhum comentário:
Postar um comentário