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quarta-feira, 22 de maio de 2013

Apenas diferente...

    Sem dúvida um dos maiores desafios que nós, meros e humildes seres umanos, enfrentamos na vida é lidar com as diferenças. A convivência de contrários é uma das maiores dificuldades que atravessam nossa existência. Conceber e aceitar coisas tão diferentes de nossa própria realidade causa-nos ao menos estranhamento e, quando tomamos conhecimento de que existem outros estilos de vida diferentes do nosso, acabamos por julgar, valorando como bom ou ruim, certo ou errado, segundo nossa própria experiência. E nem me refiro à não padronização ou bizarrice, mas às coisas simples da vida. No entanto, o que pode ser simples ou bizarro para mim, pode não ser para você.

     É politicamente correto respeitar as diferenças, mas na prática, a teoria é BEM outra. De maneira geral, formulamos juízo como certo o que nos é familiar, as coisas que fazem parte de nosso cotidiano e avaliamos outras realidades de maneira negativa, simplesmente por serem diferentes. Entretanto, as pessoas pensam, sentem e agem de formas diferentes. Achamos, no mínimo, curioso e desenvolvemos uma certa resistência quando temos contato com interesses divergentes dos próprios, mas a vida é permeada por tais diferenças sobre as quais nos exige discernimento e concepção. Outras culturas, novos tipos de relacionamentos que não se enquadram aos padronizados, uma visão política da qual não partilhamos, o gosto por um estilo musical diferente, uma opção sexual diferente da nossa, outros times de futebol, outras etnias, outras religiões, etc. Talvez o critério religioso seja um dos mais difíceis com o qual temos de lidar, afinal, não raro, observamos extrema intolerância a respeito, cada um julgando sua religião como melhor e "a certa". Tal divergência causa guerras há milênios e parece que não conseguimos evoluir muito desde então. A questão racial também se incorpora aqui, e algumas pessoas ainda consideram-se melhor ou pior por ter determinada cor de pele ou ser de uma certa região geográfica.

    Mesmo quando nos auto proclamamos como "mente aberta", sem dúvida carregamos os próprios paradigmas e (pré)conceitos. Não é nada fácil lidar com uma opinião divergente.  As diferenças. Ah! Como pode ser difícil conviver com elas... Temos como base nossas próprias verdades, as quais muitas vezes julgamos como absolutas. Talvez, apenas talvez, sejamos cingidos por uma certa dose de narcisismo, fazendo-nos crer que, o que nos serve, o que se inclui ao nosso contexto também é extensível às outras pessoas. E, possivelmente, essa mesma visão narcísica nos impute certa limitação e engessamento, deixando-nos ingenuamente na expectativa de que o outro absorva o mundo da mesma forma que nós. Entretanto, cada pessoa no decorrer da vida desenvolve sua história pessoal, construindo sua realidade segundo a própria vivência. Eu sou diferente de você, que é diferente de fulano, que é diferente de sicrano, que é diferente de beltrano...
    
     Ao ponderar sobre as diferenças, devemos considerar o relativismo, afinal, cada qual cria a própria verdade, sua maneira de ser e se colocar no mundo, determinando a construção do sentido próprio para a vida. E, principalmente, racionalizarmos de que não existe uma verdade absoluta. Sua verdade pode não ser a minha, e a minha, a sua. É relativo.
       
     É necessário certo exercício para conviver minimamente bem com as diferenças, e não me refiro a aceitá-las, talvez isso seja utópico, mas em respeitá-las, sim, não tem jeito. A conscientização de que as diferenças fazem parte da vida e ninguém é melhor ou pior por ser diferente emerge para uma melhor convivência. Contudo, pode ser interessante o desprendimento das próprias opiniões, afinal, não deixa de somar ao próprio conhecimento lidar com o diferente. Outros olhares, outras ideias e outras opiniões podem acrescentar e ampliar conteúdos.

    Compreender o outro talvez seja exigir muito, entretanto, respeitar este em sua maneira pessoal de ser é o melhor caminho para conviver com o diferente. Afinal, mesmo sendo uma grande dificuldade em nossas relações interpessoais e de mundo, as diferenças nos adornam e nos tornam interessantes em nossa condição mais peculiar: ser humano, único e ímpar.      

  


  

domingo, 5 de maio de 2013

O mito da maternidade


     Tenho como lembrança de minha maior e mais profunda auto reflexão, uma das noites em que passei na maternidade do hospital após ter dado a luz. Éramos apenas nós duas no meio da madrugada e sentei-me perto da janela do quarto, pensativa. Dentro de minhas divagações, questionei se estaria pronta para aquela nova fase de minha vida, afinal, não era mais apenas filha, mas agora também era mãe. Indagava se teria os recursos necessários para cuidar e educar aquela incrível criaturinha que dormia em meus braços. Entretanto, uma questão me afligia com considerável intensidade: um amor incondicional permearia nossa relação? 

     Apesar da maternidade ser uma condição inerente à mulher, não é determinada por si e em si, apenas. Sim, somos capazes de gerar um outro ser e parir, mas ser mãe não se constitui unicamente em tal ato, assim como o sentimento materno de cuidar, proteger e, sobre tudo, amar, não se fundamenta de maneira inata para todas as mulheres de modo absoluto. Não raro observamos que muitas não possuem tais determinantes e, mesmo havendo um hipotético instinto materno em cuidar e proteger, o sentimento não está necessariamente contextualizado, ou vice-versa.

     Através da cultura vivenciamos um certo olhar romântico e idealizado o qual circunda a maternidade, como se apenas estar grávida ou mesmo ter um filho transforma o mundo todo em cor de rosa e, por conseguinte, somos atravessadas por um sentimento avassalador e incondicional, imputando uma condição a priori à mulher. E quando isso não acontece? Quando simplesmente precisamos nos adaptar e observamos cair por terra, inertes, o clichê da maternidade?

     A gravidez carrega a simbologia intrínseca de continuação da vida, atribuindo à mulher a responsabilidade maior de sua manutenção. Insegurança e receio são sentimentos naturais que podem emergir durante a gestação e/ou mesmo depois de dar a luz. Desponta-se a enorme necessidade de expressão a respeito, principalmente por conta do abismo entre realidade e idealização, desconstruindo o mito da maternidade sobre o qual somos imbuídas. Muitas mulheres sentem culpa e questionam até mesmo sua idoneidade e caráter quando não desenvolvem, juntamente com a maternidade, sentimentos desejados e correspondentes às expectativas. É muito mais comum do que se imagina e do que se fala ampla e abertamente a respeito que emoções ambíguas nos atravessem durante este período. Ter um outro ser crescendo dentro de você pode não ser tão poético, mesmo quando a gravidez é bem-vinda. Receio e dúvida se o bebê nascerá perfeito e "normal" são comuns. Sem falar do parto, que, apesar de ser um fenômeno natural para toda espécie animal viva, não é um ato isento de certa dose de agressão para a fêmea. A mulher necessita se adaptar a esse novo papel no seu meio ambiente e na sociedade, e a perda da identidade pode se inserir neste contexto onde esta passa a ser "a mãe de alguém". 

     Desmistificando a fantasia e vivenciando de maneira mais consciente, a responsabilidade para com o outro é tão importante quanto sentimento e dedicação. Laços de afeto, carinho e cuidado se estabelecem no desenvolver da relação e não a partir de um teste cujo resultado foi positivo, somente.

     Ouso dizer que, em uma relação onde o amor é conquistado diariamente, a cada ato de alimentar o bebê com o  próprio recurso, olho no olho, noites em claro nas quais apenas aqueles dois seres, mãe e filho, testemunham o transcorrer da madrugada, em companhia e cumplicidade, ou em cada simples ato de cuidar daquela pequena pessoinha, talvez, esta relação se consolide de maneira mais plena, saudável e coerente.

     O amor incondicional tal como preconizado nem sempre é a priori, mas cresce durante o processo relacional e, talvez, seja até mais verdadeiro quando construído e desenvolvido juntamente com o estabelecimento do vínculo entre mãe e filho. Laços de afeto podem estar presentes desde o primeiro momento, mas se intensifica com a relação. 

O amor não é incondicional, apenas, mas condicionado e condicionante. O amor é conquistado dia a dia na convivência e por mérito próprio daquele pequeno e incrível ser.