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sexta-feira, 1 de março de 2013

A infinidade de tons que você quiser


     Não, eu não li o livro. Particularmente, não é meu tipo de literatura e acho que não acrescentaria conteúdo relevante. Entretanto, foi impossível não compará-lo aos romances água com açúcar que faziam sucesso na época de minha adolescência – jurássica, admito. O contexto desta "estória" atual me remete às mocinhas virgens, doces e desprotegidas que protagonizavam os romances de banca de jornal daquela época: "Julia", "Bianca", "Sabrina", etc. Sim, esses eu lia. Lembro das tórridas cenas sexuais descritas, que eram tão excitantes, eu juro! Mas passadas quase três décadas, é curioso observar que esse tipo de personagem ainda aparece de forma tão atual e arrebatadora. Das primeiras vezes que tomei conhecimento do conteúdo do livro, a razão óbvia para compreender o sucesso de “50 Tons de Cinza” – aliás, o mundo pode ser tão mais colorido... – foi a contextualização sexual. Claro, a sociedade hipócrita supervaloriza o sexo e se condiciona a tudo que corrobore com tal premissa, pensava comigo. Mas ao refletir mais intrinsecamente a respeito, observo que a conotação em torno da protagonista feminina circunda a questão da submissão, assim como aqueles outros romances que lia há muito. Que meleca! Por que sempre é necessário haver a mocinha pura que precisa ser salva? Será que vivenciaremos a ditadura da fragilidade e submissão feminina eternamente? Não estou tentando comparar a posição homem/mulher, não é isso, mas creio que esse tipo de clichê "engessa" a mentalidade da sociedade. Assim como a busca da perfeição: homens absurdamente lindos, atléticos e másculos protagonizam a história de tais livros, além do cara ser sempre necessariamente rico! Sem dúvida há um afastamento notório da realidade. 


     Através do tempo e do espaço a condição sócio-cultural feminina sempre foi imputada a determinada dose de passividade. É bíblico. Desde cedo ouvimos histórias de princesas que precisam ser salvas por príncipes encantados e crescemos com tais parâmetros. Será que tentamos atualizar os contos de fada, presentificando-os em uma tentativa de se encaixar neste estereótipo? Tendemos a mesclar fantasia e realidade buscando o enquadramento de uma idealização secular? Acho muito curioso quando, em festas de aniversário de 15 anos a adolescente é colocada como a princesinha à espera de seu príncipe. E pasmem, há personalização dos mesmos! Seremos acometidas eternamente pela síndrome da Cinderela? Será que é essa consciência que nós, enquanto sociedade, incutimos nessas jovens que estão começando suas vidas com tanta vitalidade, à espera de príncipes encantados que as salvarão como em um conto de fadas? Bem, a verdade todos conhecemos muito bem, a realidade inevitável: fantasia, expectativa e ilusão. E o pior é que muitas carregam essa analogia para o resto da vida à espera de seus príncipes, vítimas da frustração a qual são condicionadas. Por que não permitir pensar em pessoas reais, apenas, homens possíveis, sem o peso de ter que substituir príncipes idealizados? Homens que, às vezes, são passíveis de erros, sim, mas também acertos e, desta forma, aprendemos e amadurecemos como pessoa, inclusive, nos relacionamentos. Príncipes encantados não existem, entretanto, os homens reais estão aí. Aceitando-os, aceitamos também nossa própria condição de pessoas comuns em uma vida real. Creio que esta consciência de conto de fadas - acho que é outra vertente nítida da submissão - acaba revertendo-se em mais expectativa e desencanto em nós, mulheres, além da notória frustração. Sim, a desilusão faz parte de nosso crescimento pessoal e virá, impreterivelmente. Há muito não precisamos de príncipes em cavalos brancos para nos resgatar. Hoje, pode ser nós, mulheres, a montar no cavalo (e da cor que escolhermos!), se assim desejarmos. 


     Não pretendo fazer nenhuma apologia ao feminismo ou mesmo queimar sutiã, mas questiono sobre a forma pela qual essa submissão tão passiva coloca nossa condição na atualidade. Será que, assim como no livro, continuaremos nos condicionando como objeto sexual, com o salto alto de cada dia, espartilho e a submissão implícita?

2 comentários:

  1. Podemos ler esse texto sobre vários ângulos. O que mais me chamou atenção foi a parte da supervalorização da aparência, especialmente dinheiro e beleza, que se vê embutido no desejo coletivo.

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  2. Tiago, sua perspectiva me remete ao inconsciente coletivo Junguiano. Creio que esses determinantes são os elementos necessários para os folhetins melodramáticos que adentram nossos lares diariamente, além dos enlatados hollywoodianos e best-sellers do gênero. Será que nós, público/sociedade, somos influenciados ou nossos próprios interesses influenciam tais demandas? É bem pertinente deixar o paradigma de Tostines no ar.

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