Não, eu não li o livro. Particularmente, não é meu
tipo de literatura e acho que não acrescentaria conteúdo relevante. Entretanto,
foi impossível não compará-lo aos romances água com açúcar que faziam sucesso
na época de minha adolescência – jurássica, admito. O contexto desta
"estória" atual me remete às mocinhas virgens, doces e desprotegidas
que protagonizavam os romances de banca de jornal daquela época:
"Julia", "Bianca", "Sabrina", etc. Sim, esses eu
lia. Lembro das tórridas cenas sexuais descritas, que eram tão excitantes, eu
juro! Mas passadas quase três décadas, é curioso observar que esse tipo de
personagem ainda aparece de forma tão atual e arrebatadora. Das primeiras
vezes que tomei conhecimento do conteúdo do livro, a razão óbvia para compreender
o sucesso de “50 Tons de Cinza” – aliás, o mundo pode ser tão mais colorido...
– foi a contextualização sexual. Claro, a sociedade hipócrita supervaloriza o
sexo e se condiciona a tudo que corrobore com tal premissa, pensava
comigo. Mas ao refletir mais intrinsecamente a respeito, observo que a
conotação em torno da protagonista feminina circunda a questão da submissão,
assim como aqueles outros romances que lia há muito. Que meleca! Por que sempre
é necessário haver a mocinha pura que precisa ser salva? Será que vivenciaremos
a ditadura da fragilidade e submissão feminina eternamente? Não estou tentando
comparar a posição homem/mulher, não é isso, mas creio que esse tipo de clichê
"engessa" a mentalidade da sociedade. Assim como a busca da
perfeição: homens absurdamente lindos, atléticos e
másculos protagonizam a história de tais livros, além do cara ser sempre
necessariamente rico! Sem dúvida há um afastamento notório da realidade.
Através do tempo e do espaço a condição
sócio-cultural feminina sempre foi imputada a determinada dose de passividade.
É bíblico. Desde cedo ouvimos histórias de princesas que precisam ser salvas
por príncipes encantados e crescemos com tais parâmetros. Será que tentamos
atualizar os contos de fada, presentificando-os em uma tentativa de se encaixar
neste estereótipo? Tendemos a mesclar fantasia e realidade buscando o
enquadramento de uma idealização secular? Acho muito curioso quando, em festas
de aniversário de 15 anos a adolescente é colocada como a princesinha à espera
de seu príncipe. E pasmem, há personalização dos mesmos! Seremos
acometidas eternamente pela síndrome da Cinderela? Será que é essa
consciência que nós, enquanto sociedade, incutimos nessas jovens que
estão começando suas vidas com tanta vitalidade, à espera de príncipes
encantados que as salvarão como em um conto de fadas? Bem, a verdade todos
conhecemos muito bem, a realidade inevitável: fantasia, expectativa e ilusão. E
o pior é que muitas carregam essa analogia para o resto da vida à espera de seus
príncipes, vítimas da frustração a qual são condicionadas. Por que não permitir
pensar em pessoas reais, apenas, homens possíveis, sem o peso de ter que
substituir príncipes idealizados? Homens que, às vezes, são passíveis de erros,
sim, mas também acertos e, desta forma, aprendemos e amadurecemos como pessoa,
inclusive, nos relacionamentos. Príncipes encantados não existem, entretanto,
os homens reais estão aí. Aceitando-os, aceitamos também nossa própria condição
de pessoas comuns em uma vida real. Creio que esta consciência de conto de
fadas - acho que é outra vertente nítida da submissão - acaba revertendo-se em
mais expectativa e desencanto em nós, mulheres, além da notória frustração.
Sim, a desilusão faz parte de nosso crescimento pessoal e virá, impreterivelmente.
Há muito não precisamos de príncipes em cavalos brancos para nos resgatar.
Hoje, pode ser nós, mulheres, a montar no cavalo (e da cor que escolhermos!),
se assim desejarmos.
Não pretendo fazer nenhuma apologia ao
feminismo ou mesmo queimar sutiã, mas questiono sobre a forma pela qual essa
submissão tão passiva coloca nossa condição na atualidade. Será que, assim como
no livro, continuaremos nos condicionando como objeto sexual, com o salto
alto de cada dia, espartilho e a submissão implícita?
Podemos ler esse texto sobre vários ângulos. O que mais me chamou atenção foi a parte da supervalorização da aparência, especialmente dinheiro e beleza, que se vê embutido no desejo coletivo.
ResponderExcluirTiago, sua perspectiva me remete ao inconsciente coletivo Junguiano. Creio que esses determinantes são os elementos necessários para os folhetins melodramáticos que adentram nossos lares diariamente, além dos enlatados hollywoodianos e best-sellers do gênero. Será que nós, público/sociedade, somos influenciados ou nossos próprios interesses influenciam tais demandas? É bem pertinente deixar o paradigma de Tostines no ar.
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